segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Safra recorde, de água


A campanha das cisternas familiares tem origem no município de Campo Alegre de Lourdes, no sertão baiano. Em 1990, lideranças locais conheceram na região de Ouricuri, PE, a cisterna de placa, reservatório construído ao pé da casa, feito de placas de cimento, parcialmente enterrado no chão. Já existiam outros tipos de cisternas no semi-árido, feitas com tijolo e cimento, ferro e cimento ou barro cozido, mas todas apresentavam algum tipo de deficiência, como vazamentos, por exemplo, ou eram caras demais.

Reunidos no povoado de Malhada, com apoio da CPT - Comissão Pastoral da Terra, os trabalhadores buscavam uma resposta que servisse a todos, de forma massificada, e não soluções localizadas. Então, com base no que aprenderam em Ouricuri, começaram a incentivar a adoção em massa das cisternas e passaram a construí-las, com dinheiro doado pela Oxfam, entidade assistencial da Inglaterra. Logo depois, trabalhadores rurais de outros municípios da região, como Pilão Arcado e Remanso, aderiram e passaram eles também a viabilizar meios para construir outras cisternas. Como uma onda, vereadores e prefeitos começaram a discutir a questão e apresentar projetos tentando controlar a construção.

Em 1998, o bispo de Juazeiro decidiu fazer da experiência uma prioridade diocesana e criou a campanha 'Até 2004 nenhuma família sem água - adote uma cisterna'. A verba obtida vai para um caixa comum, para onde as famílias beneficiadas devolvem, como puderem e no prazo possível, algum recurso para beneficiar outras famílias. A idéia vingou, a campanha cresceu, ganhou a adesão de todas as pastorais sociais da CNBB - Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, e acabou somando-se a outros programas em curso. A proposta de construção de 1 milhão de cisternas nasceu no Fórum Paralelo Contra a Desertificação, realizado na capital pernambucana. Aprovada pelo MMA - Ministério do Meio Ambiente, transformou-se no que é conhecido oficialmente como Programa de Formação e Mobilização para a Convivência com o Semi-Árido - 1 Milhão de Cisternas para o Semi-Árido Brasileiro (P1MC), conduzido sob coordenação da ASA - Articulação do Semi-Árido.

Depois que a ASA consolidou o programa, a Cáritas Brasileira, a Comissão Pastoral da Terra Nacional e a Fian/Brasil lançaram uma campanha internacional buscando angariar fundos no exterior. Além disso, lançaram o livro Água de Chuva: o Segredo da Convivência com o Semi-Árido, editado em português, inglês e alemão, contendo informações e reflexões sobre a realidade na região. O deserto invoca o deserto e a água, a água. Se uma seca parece atrair outra seca maior na seqüência, acostumando paulatinamente a terra ao flagelo, a água pode reverter esse processo, recuperando o solo, colorindo plantas, flores e frutos, trazendo de volta bichos e homens. Água é vida.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Seca no Nordeste

Ao contrário do que muitos pensam, a seca não atinge toda região nordeste. Ela se concentra numa área conhecida como Polígono das Secas. Esta área envolve parte de oito estados nordestinos (Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e parte do norte de Minas Gerais.

Causas da Seca

As principais causas da seca do nordeste são naturais. A região está localizada numa área em que as chuvas ocorrem poucas vezes durante o ano. Esta área recebe pouca influência de massas de ar úmidas e frias vindas do sul. Logo, permanece durante muito tempo, no sertão nordestino, uma massa de ar quente e seca, não gerando precipitações pluviométricas (chuvas).

O desmatamento na região da Zona da Mata também contribui para o aumento da temperatura na região do sertão nordestino.

Características da região

- Baixo índice pluviométrico anual (pouca chuva);
- Baixa umidade;
- Clima semi-árido;
- Solo seco e rachado;
- Vegetação com presença de arbustos com galhos retorcidos e poucas folhas (caatinga);
- Temperaturas elevadas em grande parte do ano.

Seca, fome e miséria: um problema social

A seca, além de ser um problema climático, é uma situação que gera dificuldades sociais para as pessoas que habitam a região. Com a falta de água, torna-se difícil o desenvolvimento da agricultura e a criação de animais. Desta forma, a seca provoca a falta de recursos econômicos, gerando fome e miséria no sertão nordestino. Muitas vezes, as pessoas precisam andar durante horas, sob Sol e calor forte, para pegar água, muitas vezes suja e contaminada. Com uma alimentação precária e consumo de água de péssima qualidade, os habitantes do sertão nordestino acabam vítimas de muitas doenças.

O desemprego nesta região também é muito elevado, provocando o êxodo rural (saída das pessoas do campo em direção as cidades). Muitas habitantes fogem da seca em busca de melhores condições de vida nas cidades.

Estas regiões ficam na dependência de ações públicas assistencialistas que nem sempre funcionam e, mesmo quando funcionam, não gera condições para um desenvolvimento sustentável da região.

Ações para diminuir o impacto da seca

- Construções de cisternas, açudes e barragens;
- Investimentos em infra-estrutura na região;
- Distribuição de água através de carros-pipa em épocas de estiagem (situações de emergência);
- Implantação de um sistema de desenvolvimento sustentável na região, para que as pessoas não necessitem sempre de ações assistencialistas do governo;
- Incentivo público à agricultura adaptada ao clima e solo da região, com sistemas de irrigação.

Transposição do rio São Francisco

A transposição do rio São Francisco é um projeto do governo federal que visa a construção de dois canais (totalizando 700 quilômetros de extensão) para levar água do rio para regiões semi-áridas do Nordeste. Desta forma, diminuiria o impacto da seca sobre a sofrida população residente, pois facilitaria o desenvolvimento da agricultura na região.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

SECA NO NORDESTE BRASILEIRO




Trata-se de um fenômeno natural, caracterizado pelo atraso na precipitação de chuvas ou a sua distribuição irregular, que acaba prejudicando o crescimento ou desenvolvimento das plantações agrícolas.

O problema não é novo, nem exclusivo do Nordeste brasileiro. Ocorre com freqüência, apresenta uma relativa periodicidade e pode ser previsto com uma certa antecedência. A seca incide no Brasil, assim como pode atingir a África, a Ásia, a Austrália e a América do Norte.

No Nordeste, de acordo com registros históricos, o fenômeno aparece com intervalos próximos a dez anos, podendo se prolongar por períodos de três, quatro e, excepcionalmente, até cinco anos. As secas são conhecidas, no Brasil, desde o século XVI.

A seca se manifesta com intensidades diferentes. Depende do índice de precipitações pluviométricas. Quando há uma deficiência acentuada na quantidade de chuvas no ano, inferior ao mínimo do que necessitam as plantações, a seca é absoluta.

Em outros casos, quando as chuvas são suficientes apenas para cobrir de folhas a caatinga e acumular um pouco de água nos barreiros e açudes, mas não permitem o desenvolvimento normal dos plantios agrícolas, dá-se a seca verde.

Essas variações climáticas prejudicam o crescimento das plantações e acabam provocando um sério problema social, uma vez que expressivo contingente de pessoas que habita a região vive, verdadeiramente, em situação de extrema pobreza.

A seca é o resultado da interação de vários fatores, alguns externos à região (como o processo de circulação dos ventos e as correntes marinhas, que se relacionam com o movimento atmosférico, impedindo a formação de chuvas em determinados locais), e de outros internos (como a vegetação pouco robusta, a topografia e a alta refletividade do solo).

Muitas têm sido as causas apontadas, tais como o desflorestamento, temperatura da região, quantidade de chuvas, relevo topográfico e manchas solares. Ressalte-se, ainda, o fenômeno "El Niño", que consiste no aumento da temperatura das águas do Oceano Pacífico, ao largo do litoral do Peru e do Equador.

A ação do homem também tem contribuído para agravar a questão, pois a constante destruição da vegetação natural por meio de queimadas acarreta a expansão do clima semi-árido para áreas onde anteriormente ele não existia.

A seca é um fenômeno ecológico que se manifesta na redução da produção agropecuária, provoca uma crise social e se transforma em um problema político.

As conseqüências mais evidentes das grandes secas são a fome, a desnutrição, a miséria e a migração para os centros urbanos (êxodo rural).

Os problemas que sucedem as secas resultam de falhas no processo de ocupação e de utilização dos solos e da manutenção de uma estrutura social profundamente concentradora e injusta.

O primeiro fato se manifesta na introdução de culturas de dificil adaptação às condições climáticas existentes e do uso de técnicas de utilização dos solos não compatíveis com as condições ecológicas da região. O segundo ocasiona o controle da propriedade da terra e do processo político pelas oligarquias locais.

Esses aspectos agravam os resultados das secas e provocam a destruição da natureza, a poluição dos rios e a exploração por parte os grandes proprietários e altos comerciantes, dos recursos destinados ao combate à pobreza da região, no que se denomina de "indústria da seca".

A questão da seca não se resume à falta de água. A rigor, não falta água no Nordeste. Faltam soluções para resolver a sua má distribuição e as dificuldades de seu aproveitamento. É "necessário desmitificar a seca como elemento desestabilizador da economia e da vida social nordestina e como fonte de elevadas despesas para a União ...desmitificar a idéia de que a seca, sendo um fenômeno natural, é responsável pela fome e pela miséria que dominam na região, como se esses elementos estivessem presentes só aí". (Andrade, Manoel Correia, A seca: realidade e Mito, p. 7 ).

Com uma população muito inferior à nordestina, a Amazônia, que possui água em abundância, também apresenta condições de vida desumanas, assim como diversas outras regiões brasileiras. Lá o problema é outro, pois o meio ambiente mostra-se inóspito, devido às enchentes, aos solos pobres, à proliferação de doenças tropicais.

Crises climáticas periódicas, como enchentes, geadas e secas, acontecem em qualquer parte do mundo, prejudicando a agricultura. Em alguns casos tornam-se calamidades sociais. Porém, só se transformam em flagelo social quando precárias condições sociais, políticas e econômicas assim o permitem. Regiões semi-áridas e áridas do mundo são aproveitadas pela agricultura, por meio do desenvolvimento de culturas secas ou culturas irrigáveis, como acontece nos Estados Unidos, Israel, México, Peru, Chile ou Senegal.

Delimitado pelo Governo Federal, em 1951 (Lei n° 1.348), o Polígono das Secas, com uma dimensão de 950.000 km2, equivale a mais da metade do: território da região Nordeste (52,7%), que vai desde o Piauí até parte do norte de Minas Gerais. O clima é semi-árido e a vegetação de caatingas. O solo é raso, na sua maior parte, e a evaporação da água de superfície é grande. Essa é a área mais sujeita aos efeitos das secas periódicas.

O fenômeno natural das secas ensejou o surgimento de um fenômeno político denominado indústria da seca.

Os grandes latifundiários nordestinos, valendo-se de seus aliados políticos, interferem nas decisões tomadas, em escala federal, estadual e municipal. Beneficiam-se dos investimentos realizados e dos créditos bancários concedidos. Não raro aplicam os financiamentos obtidos em outros setores que não o agrícola, e aproveitam-se da divulgação dramática das secas para não pagarem as dívidas contraídas. Os grupos dominantes têm saído fortalecidos, enquanto é protelada a busca de soluções para os problemas sociais e de oferta de trabalho às populações pobres.

Os trabalhadores sem terra (assalariados, parceiros, arrendatários, ocupantes) são os mais vulneráveis à seca, porque são os primeiros a serem despedidos ou a terem os acordos desfeitos.

A tragédia da seca encobre interesses escusos daqueles que têm influência política ou são economicamente poderosos, que procuram eternizar o problema e impedir que ações eficazes sejam adotadas.

A questão da seca provocou diversas ações de governo. As primeiras iniciativas para se lidar com a questão da seca foram direcionadas para oferecer água à zona do semi-árido. Nessa ótica foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas (Decreto n°-7.619, de 21 de outubro de 1909), atual Dnocs, com a finalidade de centralizar e unificar a direção dos serviços, visando à execução de um plano de combate aos efeitos das irregularidades climáticas. Foram, então, iniciadas as construções de estradas, barragens, açudes, poços, como forma de proporcionar apoio para que a agricultura suportasse os períodos de seca.

A idéia de resolver o problema da água no semi-árido foi, basicamente, a diretriz traçada pelo Governo Federal para o Nordeste e prevaleceu, pelo menos, até meados de 1945. Na época em que a Constituição brasileira de 1946 estabeleceu a reserva no orçamento do Governo de 3% da arrecadação fiscal para gastos na região nordestina, nascia nova postura distinta da solução hidráulica na política anti-seca, abandonando-se a ênfase em obras em função do aproveitamento mais racional dos recursos.

Com o propósito de utilizar o potencial de geração de energia do Rio São Francisco, foi fundada (1945) a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf). Em 1948, criou-se a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), hoje denominada Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e, em 1952, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB). A idéia era de criar uma instituição de crédito de médio e longo prazos especifica para o Nordeste.

Em dezembro de 1959, foi criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste -Sudene (atualmente extinta e com projetos de ser recriada em novos moldes), organismo constituído para estudar e propor diretrizes para o desenvolvimento da economia nordestina, com o objetivo de diminuir a disparidade existente em relação ao Centro-Sul do país. Procurava-se estabelecer um novo modelo de intervenção, voltado tanto para o problema das secas quanto para o Nordeste como um todo.

A partir da seca de 1970, surgiu o Programa de Redistribuição de Terra e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (Proterra), em 1971, com o objetivo de promover uma reforma agrária pacifica no Nordeste, pela compra de terra de fazendeiros, de modo espontâneo e por preço de mercado. Em 1974, foi instituído o Programa de Desenvolvimento de Terras Integradas do Nordeste (Polonordeste), para promover a modernização da agropecuária em áreas selecionadas da região. O Projeto Sertanejo, lançado em 1976, viria atuar nas áreas do semi-árido visando a tornar a sua economia mais resistente aos efeitos da seca, pela associação entre agricultura irrigada e agricultura seca.

Com o propósito de incorporar os projetos anteriores, considerados fracassados, foi implantado o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (Projeto Nordeste), em 1985, propondo-se a erradicar a pobreza absoluta, inovando com a destinação de recursos para os pequenos produtores.

Como ações emergenciais, tem-se apelado para a distribuição de alimentos, por meio de cestas básicas e frentes de trabalho, criadas para dar serviço aos desempregados durante o período de duração das secas, dirigidas para a construção de estradas, açudes, pontes.

Os problemas das secas somente serão superados por profundas transformações sócioeconômicas de âmbito nacional. Várias têm sido as proposições formuladas:

- Transformar a atual estrutura agrária, concentradora de terra e renda, por meio de uma Reforma Agrária que faça justiça social ao trabalhador rural.

- Estabelecer uma Política de Irrigação que adote tecnologias de mais fácil acesso aos trabalhadores rurais e que sejam mais adaptadas à realidade nordestina.

- Instituir a agricultura irrigada nas áreas onde houver disponibilidade de água e desenvolver a agricultura seca, de plantas xerófitas (que resistem à falta de água) e de ciclo vegetativo curto. Alimentos como o sorgo e o milheto, como substitutos do milho, seriam importantes para o Nordeste, a exemplo do que ocorre na Índia, China e no oeste dos Estados Unidos.

- Estabelecer uma Política de Industrialização, com a implantação de indústrias que beneficiem matérias-primas locais, visando à diminuição de custos com transporte, bem como oferecer oportunidades de trabalho à mão-de-obra da região.

- Proporcionar o acesso ao uso da água, com o aproveitamento da água acumulada nas grandes represas, açudes e barreiros, perfuração de poços, construção de barragens subterrâneas, de cisternas rurais, por parte da população atualmente excluída.

- Corrigir as práticas de ocupação do solo, no que se refere à pecuária, eliminando-se o excesso de gado nas pastagens, que pode ocasionar sérios danos sobre pastos e solos; a queima de pastos, que destrói a matéria orgânica existente; e o desmatamento, por conta da venda de madeira e lenha.

- Estimular o uso racional da vegetação nativa (caatinga) para carvão e comercialização de madeira-de-lei.

- Implantar o Projeto de Transposicão das Águas do Rio São Francisco para outras bacias hidrográficas do semi-árido regional.

Não é possível se eliminar um fenômeno natural. As secas vão continuar existindo. Mas é possível conviver com o problema. O Nordeste é viável. Seus maiores problemas são provenientes mais da ação ou omissão dos homens e da concepção da sociedade que foi implantada, do que propriamente das secas de que é vítima.

O semi-árido é uma região propícia para a agricultura irrigada e a pecuária. Precisa apenas de um tratamento racional a essas atividades, especialmente no aspecto ecológico. Em áreas mais áridas que as do sertão nordestino, como as do deserto de Negev, em Israel, a população local consegue desfrutar de um bom padrão de vida.

Soluções implicam a adoção de uma política oficial para a região, que respeite a realidade em que vive o nordestino, dando-lhes condições de acesso à terra e ao trabalho. Não pode ser esquecida a questão do gerenciamento das diretrizes adotadas, diante da diversidade de órgãos que lidam com o assunto.

Medidas estruturadoras e concretas são necessárias para que os dramas das secas não continuem a ser vivenciados.

Considerações Finais


Como se pode observar, o Nordeste do Brasil e, particularmente, a zona do Sertão semi-árido é intermitentemente atingida por secas, e, dado o seu caráter de região pobre, a grande maioria da população tem a sua condição de vida afetada em sua estrutura. As políticas sociais destinadas a essa região ainda não proporcionaram uma base estrutural. suficiente para que a população conviva com as secas sem passar pelo tormento da fome, que fragiliza o seu desenvolvimento em todos os aspectos e desmoraliza o indivíduo na sua dignidade. Diante da impossibilidade de convivência com esse desastre natural, a cada ocorrência de seca, a contribuição da mulher está presente, auxiliando a política social da emergência. Sem esse auxílio, o Estado dificilmente conteria os conflitos sociais e a dizimação da população provocada pelo referido fenômeno, pois a fome certamente contaminaria a região, levando-a ao caos.

A contribuição da mulher na atenuação da fome na seca


O problema da seca não se manifesta no aspecto específico da água, mas especialmente na escassez de alimento, caracterizada como fome endêmica, relacionada à casa e à mulher, que não é pensada pelos idealizadores da política da emergência da seca.

A palavra fome, de acordo com Sobrinho (1982), comporta vários significados. Diz respeito ao indivíduo e à humanidade, e é problema crucial. No passado, o termo se referia à falta de alimento para saciar o apetite, que, no ser humano, é considerado estágio fisiológico ligado à necessidade alimentar. No sentido moderno, fome é a falta de quaisquer dos quarenta ou mais elementos nutritivos indispensáveis à manutenção da saúde. Essa carência ocasiona morte prematura, embora não acarrete, necessariamente, a inanição por falta absoluta de alimento.

Em qualquer dos significados acima levantados, a fome é uma constante nas famílias dos pequenos agricultores do Semi-Árido nordestino, independentemente da seca. Seria uma visão simplista atribuir a fome da família rural dessa região do Nordeste unicamente à irregularidade pluviométrica que periodicamente desorganiza a produção. De acordo com Castro (1980), a seca apenas agrava a situação da fome, que tem causas mais ligadas às desigualdades sociais do que aos fenômenos climáticos.

Assim, observa-se que a fome no Semi-Árido nordestino constitui uma extensão da pobreza, que as famílias dos pequenos produtores rurais caracterizam como necessidades. Estas, em período de chuvas normais, se referem à comida de má qualidade, falta de roupas e calçados, carência de assistência médica, falta de terra para trabalhar, moradia e outros elementos do bem-estar que, como enfatiza Bobbio (1992), são direitos do cidadão, considerados indispensáveis à sua sobrevivência.

De acordo com Fischer (1998), no período de escassez de chuvas, as chamadas necessidades aumentam e comprometem a própria sobrevivência da família sertaneja nordestina, especialmente no que se refere ao suprimento alimentar. Ao atingir tal estágio, a necessidade adquire a conotação de fome, que, amenizada pela rede de solidariedade entre os iguais, é novamente considerada pela família do produtor rural do Sertão nordestino como necessidade básica. Esse processo de solidariedade ocorre através da distribuição do pouco alimento que existe na comunidade ou rede de parentesco, e aquele que dispõe de algum quantum de alimento, socorre quem nada tem para cozinhar. Assim, é através desse arranjo que a solidariedade caricatura a fome, dando-lhe novamente a conotação de necessidade, a qual, em sentido simbólico, pode significar muitas coisas juntas. Dessa forma, a fome somente se caracterizaria como tal no caso de morte por inanição, isto é, quando atinge o indivíduo na sua totalidade e alcança o patamar classificado por Josué de Castro (1980) de epidemia de fome coletiva, que afeta indistintamente a todos.

Na família estudada do Semi-Árido, segundo Fischer (1998), as necessidades não passam pelo crivo do planejamento, mas, sem dúvida, obedecem a uma administração rigorosa. Nessa administração, homens e mulheres têm papéis diferenciados, pois cabe ao elemento feminino enfrentar a difícil tarefa de gerenciar o alimento consumido no cotidiano, enquanto o homem tem a pesada função econômico-social de produzir e distribuir os gêneros alimentícios.

Na administração cotidiana do alimento, principalmente durante a seca, a mulher rural em estudo, além de calcular a quantidade de gêneros alimentícios que deve ser consumida diariamente na unidade familiar, muitas vezes, delimita também o alimento de cada membro durante a refeição. Geralmente, cabe a ela distribuir "pratos feitos" entre os familiares, para que todos sejam contemplados eqüitativamente. Nessa distribuição, os indivíduos, principalmente a dona-de-casa, não ingerem a quantidade que seu apetite permite, mas, diante da limitação do alimento, o que é possível. Vale, ainda, salientar que no processo de distribuição da refeição, são estabelecidas prioridades que contemplam as crianças e o marido. Caso os pequenos não fiquem relativamente satisfeitos, alguém, que geralmente é a mulher, doa a refeição que lhe cabe. O marido é, sobretudo, contemplado nessa distribuição. O fato de ter pouco alimento para servir na hora da refeição, principalmente para as crianças e o marido, é, na opinião da mulher pesquisada, a prova mais dura que enfrenta na seca. "Esta é uma provação que tira o sono, o sossego, o ânimo e até a vontade de viver", avalia uma entrevistada do município de Patos. Os depoimentos seguintes enfocam a angústia da mulher ao dividir o alimento na unidade familiar:

Fico desesperada quando a comida não dá. Quem está na cozinha é quem sente a dor de cabeça, vendo o povo pra comer e a comida sem dar pra todo mundo. É difícil fazer uma sopa com a metade de um pacote de macarrão para dividir com 8 pessoas. Eu afino a sopa. Afino... mas não tem jeito. Os filhos e de 13 e 15 anos, são comedores, não se conformam com pouco. Aí dá dor de cabeça. A parte da mulher esquenta muito. Se não usar bem com o juízo, se atrapalha. Brigo, reclamo o tempo todo. Reclamo para o marido e para os filhos porque não vou morrer calada. O marido pergunta: nós vamos fazer o quê? Aí, ele sai pra comprar fiado. Quando ele consegue fico satisfeita. Só quem sabe o que tá precisando, se a comida vai dar, o que vai faltar, é a mulher. Tem hora que olho pro velho, que tem mais idade do que eu, e digo: tu tá mais novo do que eu. Ele sorri e diz: é, você se aperreia muito (entrevistada do município de Patos).

É difícil repartir a comida. É preciso saber pra ninguém ficar sem nada. A criança não quer saber de onde sai. Quer comer 3 vezes por dia. Pobre come só o que tem. Se tem pouco, todos têm que comer pouco, se conformar com o que tem. Mesa de pobre é desigual: tem dia que faz de conta que tem; outra vez nem isso pode fazer, passa pela mesa (entrevistado residente no município de Ouricuri).

O homem rural do Semi-Árido pesquisado dificilmente passa por dificuldades semelhantes às da mulher chefe de família, pois raramente assume o núcleo familiar sozinho. Seu constrangimento resume-se ao não cumprimento de suas obrigações de provedor do lar, tarefa que culturalmente lhe é atribuída e cobrada pela sociedade e, sobretudo, por ele próprio.

O homem apresenta comportamento peculiar no enfrentamento da falta de comida, principalmente no período da seca. Enquanto a mulher procura dar vazão a seus impulsos, dividindo seu desespero com todos na família - chora e insulta o marido e encara o problema com determinação, segurança, esperança, e consegue inclusive levantar o ânimo dos familiares -, o homem tende a assumir calado sua fraqueza e, no geral, fica deprimido e frágil. Esse grau de depressão aumenta na medida em que a mulher, diante da falta de comida para servir aos filhos, cobra-lhe a obrigação de dono de casa e, portanto, de mantenedor da família, exigência que ele tende a ler como negação da sua condição de homem. Diante de tal cobrança, o homem, de um modo geral, demonstra sentimento de impotência e apenas tenta se justificar dizendo que "não tenho de onde tirar"... "não encontro pra quem trabalhar"... e devolve o problema para a mulher, dando-lhe mais uma tarefa: a de pensar sobre o que ele deve fazer. Este é um tipo de situação que deixa o homem um tanto desmoralizado diante da família e com a auto- estima em baixa.

A escassez de alimentos, sobretudo durante a seca, causa mal estar psicológico e social no homem e na mulher e, sem dúvida, transtornos orgânicos na família rural, que tem sua alimentação totalmente desequilibrada. A dona-de-casa rural da seca dificilmente sabe distinguir proteínas de vitaminas e tampouco entende o que significam sais minerais, porém, sabe dosar, no preparo do alimento, quantidade e qualidade na junção dos nutrientes, de forma que se existir produção de feijão, milho, arroz, ovos, leite, carne (mesmo que eventualmente) e algumas verduras, a família terá a alimentação relativamente equilibrada devido à vivência da mulher rural pesquisada, tanto com a combinação de alimentos quanto com a escassez e limitação na diversificação de produtos alimentares. E embora aquela alimentação balanceada com proteínas e vitaminas que, segundo Castro (1980), constituía o grosso do consumo da família sertaneja, como queijo, manteiga, carne de boi, carneiro, cabrito, que fazia do sertanejo "um forte", na expressão de Euclides da Cunha, já não exista, da época restaram o hábito alimentar e a cultura de preparar o alimento, assimilada pela mulher.

Assim, mesmo desconhecendo o conteúdo de proteínas, vitaminas e sais minerais dos produtos alimentares, a mulher utiliza seu aprendizado sobre o seu preparo, repassado através de gerações, para improvisar arranjos nutricionais durante a seca, embora tenha a consciência de que a refeição não está balanceada em vista da reduzida diversificação e da quantidade dos itens disponíveis. O seguinte depoimento, que simboliza o sentimento de praticamente todas as entrevistadas, versa sobre os arranjos alimentares improvisados pela mulher em época de estiagem:

pobre O alimento é fraco na seca, mas pobre come tudo. Quando a gente pega em dinheiro, nós faz a feira. Feira assim... porque gente fraco não faz feira. Compra 10 quilos de açúcar e 10 quilos de feijão pra 15 dias. Compro o carioquinha, que rende mais. Cozinho o feijão de manhã, e 11 horas a gente come os caroços do feijão com "cusculho". Deixo o caldo do feijão pra noite. Aí, eu tempero aquele caldo com uma cebola e alho e coloco um pouco de "cusculho", e assim a gente vive. De manhã, é só café com açúcar, quando tem, porque café tá muito caro. Hoje não tinha café em casa. Alguém deu café e açúcar a ele lá pela rua [o marido, que estava junto, envergonhado repreende: eu comprei fiado]. Mesa de é desigual (entrevistada residente no município de Patos).

Esses arranjos alimentares são, por vezes, improvisados com os gêneros da cesta básica doada pelo governo através do Programa de Emergência e que, ao todo, contém 19 quilos assim distribuídos: 5 de arroz, 5 de fubá, 2 de farinha, 1 de açúcar, 4 pacotes de macarrão e 2 latas de óleo vegetal. A mulher poupa as iguarias recebidas, de tal forma que duram, em média, 15 dias, se complementadas com as compras feitas com o salário de R$ 80,00 (exceto no estado do Piauí, onde é de R$ 60,00), pago pelo governo, a título de emergência, às famílias atingidas pela seca. Apesar da má qualidade dos alimentos da cesta básica, conforme destacam praticamente todas as entrevistadas (o fubá é ruim, o feijão vinha duro (foi substituído pelo fubá) e a farinha não presta), a família se mantém num patamar mínimo de sobrevivência alimentar durante um mês. A situação torna-se mais crítica quando aquele salário sofre atrasos, o que ocorre com freqüência, prejudicando aquelas fragilizadas famílias, que ficam sem ter a quem recorrer para conseguir qualquer tipo de alimento. Os comerciantes da localidade não vendem fiado a esses trabalhadores, devido aos freqüentes atrasos nos pagamentos da Frente de Emergência, o que contribui para descontrolar ainda mais seu limitado orçamento familiar. Diante de tal realidade, a fome absoluta ameaça intermitentemente o cotidiano dos atingidos pela seca.

A política social da seca


A política adotada em período de seca, chamada política de emergência, é um programa governamental implantado para amenizar ou eliminar conflitos sociais inevitáveis que explodem quando parte da população tem seu nível de subsistência comprometido. Essa política tem como objetivo atender a população que se encontra em reconhecido estado de calamidade pública, sobretudo no que se refere ao abastecimento d’água e geração de renda. Tal política é estabelecida a partir de pressões da população que tem seu suporte alimentar afetado.

As políticas sociais criadas em períodos de seca são geralmente transformadas em programas de governo, tendo as verbas alocadas, em tese, de acordo com as prioridades da população. Os programas têm sido, por vezes, direcionados a outros projetos como o da educação, da saúde, da água, crédito etc. ou se tornam exclusivos, a exemplo da chamada "frente produtiva," composta por obra hídrica, capacitação e alfabetização dos trabalhadores. A "frente produtiva" tem o objetivo de preparar a população para conviver com a estiagem.

Na seca de 1998, aproximadamente R$ 600.000.000,00 foram destinados a atender a população atingida pela catástrofe. Tal montante, distribuído através do órgão de desenvolvimento do Nordeste, foi alocado em vários programas existentes, com o propósito de beneficiar até um milhão de trabalhadores rurais (Melo, 1999). De acordo com a autora, os beneficiados seriam contemplados com alimentos, emprego, educação, saúde, crédito, etc. Os beneficiados com emprego deveriam estar disponíveis 27 horas semanais, que poderiam ser usadas realizando trabalho rural ou urbano, ou dedicando-se à capacitação ou alfabetização.

Na escolha dos contemplados, segundo a autora, foram usados critérios de seleção como: ser trabalhador rural, ter idade entre 14 e 60 anos; na família de 1 a 5 membros, apenas um poderia ser contemplado; de 6 a 10 pessoas, poderiam ser inscritos dois integrantes; e, acima de 10 pessoas, era facultada a participação de três membros do grupo familiar. O núcleo familiar com mais de 7 membros que possuísse aposentado poderia inscrever apenas uma pessoa. Dada a peculiaridade da área, foi definido: a prioridade ao trabalhador rural que dependesse da produção agrícola ou pecuária para o sustento da família; a preferência aos trabalhadores cabeças de família; produtores que se enquadrasse nos critérios da agricultura familiar PRONAF (o candidato deve ser parceiro, proprietário ou arrendatário); utilizar força de trabalho familiar; ter renda de no mínimo 80%, gerados da exploração agropecuária; residir na propriedade ou aglomerado urbano próximo; possuir quantidade de terra que não supere 4 módulos fiscais qualificados na região em vigor.

As linhas norteadoras das frentes produtivas, além de contemplarem recursos hídricos, alfabetização|capacitação e saneamento básico, incluíram outras ações, a exemplo das frentes ecológicas e culturais (educação ambiental, conservação e recuperação do meio ambiente e ecoturismo. As atividades culturais resumem-se a dinamizar o artesanato nos principais centros do país).

As principais ações implementadas pela política social da seca estão assim organizadas:

  • Distribuição de cestas básicas contendo 19 quilos de alimentos (feijão, arroz, fubá, farinha, açúcar, café, óleo, macarrão);
  • Construção, recuperação e limpeza de cisternas, tanques, barreiros, açudes, barragens e aguadas;
  • Construção de residências na área rural e recuperação de prédios públicos;
  • Fabricação de telhas e tijolos a serem utilizados em obras ou mutirões;
  • Produção de brita e paralelepípedo, destinada principalmente à construção de asfaltos;
  • Crédito destinado à criação de infra-estrutura no valor de R$ 450.000,00 (investimento e custeio);

Os recursos para tais ações devem ser administrados por Comissões Paritárias compostas por membros do Estado e representantes da população afetada. Essas comissões devem ser formadas nas esferas federal, estaduais e municipais. Os membros da Comissão devem ser indicados pelas instituições que os representam.

A dimensão social e política da seca

A seca é um fenômeno natural que tem registro no Nordeste desde a colonização da zona semi-árida da região, sendo de 1534 o primeiro relato desse desastre natural (Andrade, 1986). De acordo com Araújo (1999), ao se focalizar a dimensão natural das secas, não se consegue vislumbrar muito mais do que a histórica repetição de cenas de fome e sede. Embora tendo o caráter natural e acontecendo na mesma região, a seca ocorre em diferentes conjunturas sociais, econômicas e políticas que possuem aspectos particulares quanto à estiagem. Misturam-se a ela aspectos socioeconômicos e políticos que lhe tiram o caráter único de desastre natural. Para efeitos deste trabalho, a seca será considerada como fenômeno social que agrava a pobreza e afeta particularmente as condições de vida da população, que dificilmente tem acesso às políticas sociais.

A seca, como fenômeno social de dimensão secular, segundo Gaspari, citado por Araújo (1999), muda a própria história das estiagens. Em 1877, a catástrofe centrou o tema na consciência nacional; em 1915, o governo se envolve com as conseqüências do fenômeno; em 1958, a seca leva à fundação da SUDENE; em 1998, transpôs os saques da fome do sertanejo para a sala de jantar do Brasil.

Diversas políticas sociais têm sido implementadas no enfrentamento da seca, muitas das quais destinadas a corrigir distorções conjunturais geradas por modelos econômicos. As preocupações em corrigir distorção estrutural proporcionam algum quantum de equidade social e sustentabilidade ambiental, que só recentemente começaram a fazer parte da agenda governamental. Algumas medidas são implementadas sem resultado permanente, pois são geradas no jogo das articulações políticas em que se considera a sociedade como espaço que pertence aos outros. Assim, tais medidas são manuseadas e desviadas no caminho da prática, pois os horrores da seca fortificam interesses regionais.

Os efeitos da seca não atingem igualmente a população e o território do semi-árido, fato que favorece as desigualdades dos benefícios destinados ao socorro da população através de uma política unificada. Considerando que o Nordeste está dividido em três zonas de diferentes aspectos naturais e que possui infra-estrutura dominada pelas oligarquias agrárias, o assédio aos governantes, quando da instalação das políticas sociais dirigidas à região, é marcante. O momento da seca, para os produtores mais abastados, pode significar mais uma oportunidade para aumentar seu poderio e estender seus domínios com o auxílio das políticas sociais, a exemplo do crédito financiado a juros baixos, a ser pago no longo do prazo ou a fundo perdido (FUNDAJ, 1983). Na implementação das políticas, os mais vulneráveis são geralmente os trabalhadores sem terra e miniproprietários rurais. No estado de Pernambuco, por exemplo, aproximadamente 32% (Albuquerque, 1998) da população não conseguem atravessar os momentos críticos da estiagem sem ajuda externa. Os produtores potencialmente mais resistentes, formados por grandes proprietários ou pertencentes a famílias abastadas, enfrentam os efeitos da seca com menor esforço e sofrimento, principalmente devido à ajuda das políticas sociais.

No entanto, a seca, ao dar visibilidade às mazelas sociais da região, dá espaços à lógica da contradição, que possibilita a organização da população afetada para se mobilizar e cobrar dos governantes medidas de amparo. Nessa ocasião, homens e mulheres adotam práticas de luta, adequadas a cada conjuntura política. Assim, enquanto os proprietários rurais tomam atitudes que lhes proporcionam ganhos que superam suas perdas, os trabalhadores rurais, particularmente os sem terra, redefinem sua forma de ação ao trocarem o tradicional saque realizado em feiras públicas pelo ataque a transportadores de alimentos administrados pelo governo, além de promoverem ocupação do principal órgão de desenvolvimento da região, a SUDENE, para reivindicar uma política de apoio à população atingida pela seca. A mulher exerce, de modo peculiar, pressão mais direta sobre as estâncias estaduais e municipais que estão mais próximas.

A seca, por um lado, causa danos à população, mas também propicia benefício, como o da informação, especialmente através do rádio e a da televisão, que, divulgam e denunciam a situação e ação dos trabalhadores, além da profundidade da catástrofe. Também leva à tona o nível de organização política dos mais afetados, através dos sindicatos dos trabalhadores rurais e movimentos sociais que lhe dão visibilidade, a falta de infra-estrutura da região rural, a exemplo da carência de energia elétrica, a fragilidade do nível educacional da população e a sua convivência com problemas típicos de grandes cidades, como a insegurança, a prostituição, o consumo e o tráfico de drogas (Fischer e Melo, 1999).

Essas mazelas sociais, que aparecem em pequenas cidades interioranas, podem ser consideradas filhotes da globalização, que, além de invadir os mais longínquos recantos do Nordeste, tem contribuído para redefinir hábitos, costumes e tradições que parafraseando Hobsbawn (1997), foram secularmente inventadas.

A seca que atingiu o Nordeste do Brasil no período 1997-1999 se instala num contexto já fragilizado pelos efeitos da globalização, que se manifesta através do desemprego, da migração interna na região, da concorrência entre forças desiguais etc. Tais efeitos tendem a se agravar, pois, segundo Ianni (1995), esse vasto processo histórico-social, econômico, político e cultural continua a expandir-se. A globalização como aporte econômico, de um modo geral e, particularmente, no Nordeste, contribuiu para a desaceleração da indústria, do comércio e da agricultura. Tais fatores levam a aprofundar os efeitos nefastos da seca sobre a população atingida. Além disso, a competição desigual, própria da globalização, é duplicada com a situação de seca, pois as regiões afetadas pela catástrofe enfrentam a concorrência com outras localidades que se encontram em plena normalidade, fato que contribuiu para a transferência da renda das regiões mais pobres para as mais ricas. Assim, a seca se instala num cenário em que grande parte do pequeno produtor sem terra reside na periferia da cidade, não tem lugar certo de trabalho quando planta, e a prioridade do proprietário da terra é pela produção de alimento para a pecuária.

Com a seca, a pecuária torna-se mais vulnerável diante da globalização. Os produtores do sequeiro, em função da crise climática, enfrentam a concorrência de carne e leite em condições desfavoráveis.

Na avaliação de administradores governamentais locais entrevistados, a expectativa para a agricultura é a de que a recuperação seja lenta. "Os governantes terão de escolher entre subsidiar o campo ou construir a miséria na cidade".

A MULHER E A EMERGÊNCIA DA SECA NO NORDESTE DO BRASIL

O Nordeste do Brasil tem uma extensão territorial de 1.808.077 km quadrados, que representa 18,7% do território brasileiro, e uma população de 42.470.255, ou seja, 27% da população brasileira. Esta região, reconhecida como polígono das secas, possui 60% de seu território em área considerada vulnerável a esse fenômeno, porém apresenta diversidade climática (Moura, 2000), possuindo áreas úmidas e chuvosas. De acordo com Andrade (1986), a região possui clima exteriorizado pela sua vegetação natural, que desde a época colonial deu lugar a três tipos de zonas agrícolas, a saber: a Zona da Mata, com clima quente e úmido, com estações bem definidas, sendo uma chuvosa e a outra seca; a do Sertão, também quente, porém seca e vulnerável a esse fenômeno natural; e a zona intermediária, denominada de Agreste, com trechos quase tão úmidos como a da Mata e outros tão secos como a do Sertão. Diante de tal diversidade, surgem desde o período colonial, sistemas complementares de exploração agrária, mas que se contrapõem econômica e politicamente: o Nordeste da cana-de-açúcar e o Nordeste do gado, observando-se entre um e outro, hoje, o Nordeste da pequena propriedade e da policultura. A Zona da Mata é apontada como área dos grandes canaviais, localizando-se aí a maior porção das usinas do Estado e sobretudo aquelas que dispõem de maior dimensão, apesar da pobreza do solo em matéria orgânica.

Na Região Nordeste, verificam-se consideráveis desníveis sociais. Na área rural há, por um lado, pequeno número de médios e grandes proprietários com elevado padrão de vida. Há também apreciável número de pequenos proprietários que, dependendo da qualidade da terra, têm padrão de vida razoável ou precário e que, intermitentemente, vendem sua força de trabalho. A estrutura agrária é bastante concentrada, principalmente no que se refere aos latifúndios insatisfatoriamente explorados. Apesar de não existir grande número de latifúndios, a dimensão de terras ocupadas pelos latifundiários é grande.

A região é considerada subdesenvolvida, e sua população tem condição de vida precária, contando com alto índice de analfabetismo.


A dura vida do sertanejo

Dentre os muitos aspectos apresentados pela Região Nordeste o que mais se destaca é a seca, causada pela escassez de chuvas, proporcionando pobreza e fome.

A partir dessa temática é importante entender quais são os fatores que determinam o clima da região, especialmente na sub-região do sertão, região que mais sofre com a seca.

O Sertão nordestino apresenta as menores incidências de chuvas, isso em âmbito nacional. A restrita presença de chuva nessa área é causada basicamente pelo tipo de massa de ar aliado ao relevo, esse muitas vezes impede que massas de ar quentes e úmidas ajam sobre o local causando chuvas.

No sul do Sertão ocorrem, raramente, chuvas entre outubro e março, essas são provenientes da ação de frentes frias com característica polar que se apresentam e agem no sudeste. As outras áreas do Sertão têm suas chuvas provocadas pelos ventos alísios vindos do hemisfério norte.

No Sertão, as chuvas se apresentam entre dezembro e abril, no entanto, em determinados anos isso não acontece, ocasionando um longo período sem chuvas, originando assim, a seca.

As secas prolongadas no Sertão Nordestino são oriundas, muitas vezes, da elevação da temperatura das águas do Oceano Pacífico, esse aquecimento é denominado pela classe cientifica de El Niño, nos anos em que esse fenômeno ocorre o Sertão sofre com a intensa seca.

A longa estiagem provoca uma série de prejuízos aos agricultores, como perda de plantações e animais, a falta de produtividade causada pela seca provoca a fome.

Vegetação

No Sertão e no Agreste o tipo de vegetação que se apresenta é a caatinga, o clima predominante é o semi-árido, esse tipo de vegetação é adaptado à escassez de água.

Algumas espécies de plantas da caatinga têm a capacidade de armazenar água no caule ou nas raízes, outras perdem as folhas para não diminuir a umidade, todas com o mesmo fim, poupar água para os momentos de seca.

Rios temporários ou sazonais

Os rios que estão situados nas áreas do Sertão são influenciados pelo clima semi-árido, dessa forma não há grande incidência de chuvas.

A maioria dos rios do Sertão e Agreste é caracterizada pelo regime pluvial temporário, isso significa que nos períodos sem chuva eles secam, no entanto, logo que chove se enchem novamente.

Nas regiões citadas é comum a construção de barragens e açudes como meio de armazenar água para suportar períodos de seca.

Eduardo de Freitas
Graduado em Geografia
Equipe Brasil Escola